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domingo, 9 de outubro de 2016

BREVE ANÁLISE JURÍDICA ACERCA DA DECISÃO PROCLAMADA PELO STF NA ADI 4983

1. INTRODUÇÃO

Após observar inúmeras postagens e comentários desarrazoados nas redes sociais acerca da recente decisão proclamada pelo Supremo Tribunal Federal, que julgou pela inconstitucionalidade da vaquejada, resolvi tecer estas breves considerações acerca do assunto.

Convém inicialmente ressaltar que o presente trabalho tem por objetivo, além de tentar responder algumas indagações que me foram formuladas por clientes e amigos, expor e analisar, de forma sucinta, os aspectos principais da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI, em especial a decisão proclamada pelo STF na ADI 4983, por meio da qual o Procurador Geral da República – Rodrigo Janot, questionou a constitucionalidade da Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, que em seu texto regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural daquele Estado.

Acrescente-se ainda que não tenho nenhuma pretensão de expor meu posicionamento pessoal acerca da decisão questionada, muito menos arriscarei tentar exaurir a matéria inerente ao controle de constitucionalidade concentrado, que inclusive é tema de vários livros e trabalhos científicos.

2. DOS ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADI

Pois bem, prezados leitores e amigos, preliminarmente é importante que se diga que a decisão questionada não foi proclamada pelo judiciário após provocação de qualquer pessoa física ou jurídica. Trata-se, na verdade, de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI, que tem como objetivo, desde que julgada procedente, declarar a nulidade de uma lei ou ato normativo e, por consequência, tira-lo do sistema jurídico por vicio de ilegalidade, declarando assim a sua inconstitucionalidade.

E a idéia de controle de constitucionalidade das leis, segundo Alexandre de Morais (Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p 598), “está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico”. Isso implica dizer que, se a lei não se amolda aos princípios e objetivos fundamentais traçados pela Constituição Republicana de 1988, deve ser declarada inconstitucional e retirada do ordenamento jurídico.

Segundo a doutrina de Marcelo Novelino, “trata-se de um processo constitucional de índole objetiva, sem partes formais, podendo ser instaurado independente de um interesse jurídico específico”. (Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Metodo, 2008. p. 120).

3. DO PRAZO

O ajuizamento da ADI não se sujeita à observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, pois os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo decurso do tempo.

4. DOS LEGITIMADOS

Como já dito, não se trata de ação que pode ser ajuizada por qualquer pessoa, pois a própria Constituição Federal em seu art. 103, com redação determinada pela Emenda Constitucional 45/2004, cuidou de delimitar os legitimados, senão vejamos: a) o Presidente da República; b) a mesa do Senado Federal; c) a mesa da Câmara dos Deputados; d) a mesa das Assembléias Legislativas dos Estados; e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; f) o Procurador Geral da República; g) a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio do Conselho Federal; h) partido político, desde que tenha representação do Congresso Nacional; i) Confederação Sindical ou Entidade de Classe de âmbito nacional. 

A ADI 4983, como já afirmado, foi proposta pelo Procurador Geral da República, que é o “chefe” do Ministério Público Federal.

5. SOBRE A ADI 4983, DO ESTADO DO CEARÁ

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade que teve como relator do processo no STF o Ministro Marco Aurélio. A ação, como já dito, foi proposta pelo Procurador Geral da República, contra a lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural.

Tive a oportunidade de analisar a petição inicial e, segundo os fundamentos utilizados pelo Procurador Geral da Republica, a referida lei cearense violava a regra disposta no art. 225, §1º, VII da Constituição da República. Descreverei aqui o texto da norma constitucional citada, para que o nobre leitor possa me acompanhar no raciocínio lógico, in verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Ainda segundo os argumentos empregados pelo Procurador, a questão ora em debate envolvia "conflito entre a preservação do meio ambiente e a proteção conferida as manifestações culturais enquanto expressões da pluralidade”. Sustentou ainda que a solução do problema deveria passar pela análise concreta dos seguintes pontos: “i) da efetiva prática da vaquejada; ii) da perspectiva atual sobre o meio ambiente; e iii) dos limites jurídicos as manifestações culturais”.

Ao tratar especificamente acerca da pratica da vaquejada na exordial, o autor descreveu de forma sucinta as técnicas empregadas e a forma como o esporte é praticado, relatou os números financeiros movimentados na economia e mencionou ainda que a vaquejada é considerada uma prática esportiva e culturalmente fundada no Nordeste do Brasil – e aqui vai o meu repúdio porque escreveu nordeste com “N” minúsculo. 

A ação encontrava-se fundamentada, basicamente,  no laudo técnico elaborado pela Dra. Irvênia Luíza de Santis Prada, que sustentava em suas conclusões que os atos da vaquejada “acarretam danos aos animais”. A transcrição do trecho do laudo encontra-se na petição inicial.

Ainda com desígnio de fundamentar melhor a ação, o autor fez ainda referência a estudos realizados pela Universidade Federal de Campina Grande/PB – UFCG, que também revelaram em suas conclusões que “os cavalos utilizados na vaquejada também sofrem lesões e danos irreparáveis em razão da atividade”. Transcreveu ainda as conclusões obtidas nas respectivas pesquisas e concluiu afirmando, creio que com o desígnio de tentar amoldar as condutas praticadas na vaquejada a norma expressa no art. 225, §1º, VII, da CF, ao sustentar que “a vaquejada enseja danos consideráveis ao animais, podendo ser taxada de prática que implica tratamento cruel e desumano às espécies que dela participam".

Ato contínuo, fez referencia a concepção constitucional do meio ambiente e aos limites que devem ser impostos as manifestações culturais e, por fim, requereu que a ação fosse julgada procedente, a fim de que se declarasse a inconstitucionalidade da Lei 15.299/20013, do Estado do Ceará.

6. DA DECISÃO PROCLAMADA PELO STF NOS AUTOS DA REFERIDA ADI

Após o voto do Ministro Marco Aurélio  (Relator),  julgando  procedente  o pedido formulado na ADI, e os votos dos Ministros Edson Fachin e  Gilmar Mendes, que o julgavam improcedente, pediu vista dos autos  o  Ministro  Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, o  Ministro  Teori  Zavaski.  Falou, pelo requerente,  o  Dr.  Rodrigo  Janot  Monteiro  de  Barros,  Procurador-Geral  da República, e, pelo amicus curiae (amigo da corte), a  Associação Brasileira de Vaquejada – ABVAQ,  os Drs. Antônio Carlos de Almeida Castro, OAB/DF 4.107, e  Vicente  Martins  Prata Braga, OAB/CE 19.309, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski.

Com os votos dos Ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello, julgando procedente o pedido formulado na ação, e os votos dos Ministros Teori Zavascki e Luiz Fux, julgando-o improcedente, pediu vista dos autos o  Ministro Dias Toffoli.

A ação foi incluída em pauta na última quinta feira (06/10) e foi presidida pela Ministra Cármen Lúcia, quando a Suprema Corte decidiu, por maioria de 6 x 5, e nos termos do voto do Relator, julgar procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 15.299/2013, do Estado do Ceará. Foram vencidos os votos dos Ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Dias Toffoli. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, que já haviam proferido seus votos em assentada anterior.

7. BREVE ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA DECISÃO

A questão posta em discussão me fez lembrar o saudoso magistério do ilustre e sempre professor, hoje também colega de profissão, Aécio Melo, de quem tive a honra de aprender – e jamais deverei esquecer – que quando o aplicador da lei se deparar com a existência de um conflito jurídico envolvendo princípios constitucionais, deve-se valer da técnica da ponderação de valores e analisar, sobretudo, as questões de razoabilidade e proporcionalidade. É que os princípios são abertos ao diálogo, pois, entre antinomias de princípios deve imperar a razão. Os princípios não obedecem á lógica do “tudo ou nada”, mas se submetem a ponderação dos valores. O afastamento de um princípio da análise do caso concreto não o invalida ou exclui do ordenamento jurídico, mas simplesmente o desconsidera para solução do caso concreto.

Regressando para análise especifica da decisão proclamada na ADI 4983/CE, que questionou a constitucionalidade da Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, que em seu texto regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural daquele Estado, imperioso ainda transcrever a fundamentação utilizada pelo Procurador Geral da República em seu petitório exordial, ao afirmar que a questão ora em debate envolvia conflito de interesses entre a preservação do meio ambiente e a proteção que deveria ser conferida as manifestações culturais.

E a discussão travada na ADI 4983 versava, indiscutivelmente, acerca do conflito de interesses ente dois princípios constitucionais: A NECESSIDADE DE PRESERVAR O MEIO AMBIENTE  X  A NECESSIDADE DE ASSEGURAR AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS.

Pois bem, diante dessa situação, o Colendo STF, intitulado guardião da Constituição Federal, resolveu o conflito a luz da ponderação de valores e princípios, e fundamentou a sua decisão na necessidade e dever constitucional de preservação do meio ambiente.

Aliás, a defasa de um “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” é um direito fundamental do homem e encontra-se expressamente disposto no caput do art. 225, da CF, que impões, inclusive, “ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Por sua vez o §1º, VII, do mesmo dispositivo de lei, dispõe que “para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.

8. DA CONCLUSÃO E DOS EFEITOS JURÍDICOS ORIGINADOS NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 

Bem, como o objetivo deste trabalho foi esclarecer possíveis dúvidas e responder vários questionamentos que me foram feitos acerca do assunto no decorrer da semana, notadamente no sentido de fazer uma exposição jurídica dos aspectos principais que envolvem a ADI 4983, que questionava a constitucionalidade da Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, creio que está na hora de responder as perguntas que não querem calar: 

a) ESTÁ PROIBIDA DEFINITIVAMENTE A REALIZAÇÃO DE VAQUEJADAS NO BRASIL?  

b) AINDA CABE ALGUMA ESPÉCIE DE RECURSO PROCESSUAL?

Vejamos: assim como em toda decisão proferida por um magistrado no exercício pleno da sua função jurisdicional – que é dizer o direito no caso concreto –, as decisões proclamadas em sede de controle de constitucionalidade, via Ação Direta de Inconstitucionalidade, também produzem efeitos que devem ser cumpridos. Senão vejamos: 

A)   DO EFEITO VINCULANTE (vincula a todos): toda decisão proclamada em sede de ADI pelo STF, tem efeito vinculante em relação aos órgão do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (EC 45/2004). E isso implica dizer que tanto o Poder Judiciário, quanto a Administração Publica, tem o dever de cumprir a determinação da Suprema Corte de Justiça.
A titulo de exemplo, é possível afirmar que, após a proclamação e o transito em julgado da referida decisão, se alguém requerer a liberação de Alvará de Autorização perante o Poder Público para fins de realização de uma vaquejada, este estará obrigado a indeferir o requerimento face ao efeito vinculante imposto pela decisão do STF;

B)  DO EFEITO ERGA OMNS (em face de todos): é um termo jurídico em latim que significa que uma norma ou decisão valerá para todos. Por exemplo, a coisa julgada erga omnes vale contra todos, e não só para as partes em litígio, como no processo comum. Essa é a regra expressa do art. 102, § 2º, da Constituição Federal;

C)   DO EFEITO EX NUNC (de agora, a partir do presente): terá plena eficácia após o transito em julgado da decisão.

No mais, quanto a última indagação, se ainda cabe alguma espécie de recurso, cumpre informar, por derradeiro, que as decisões proclamadas nas Ações Direta de Inconstitucionalidade são, de regra, irrecorríveis (salvo a possibilidade de interposição de Embargos de Declaração) e irrescindíveis.

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